1. Introdução
O contrato sempre foi o principal instrumento de formalização das relações privadas e empresariais. Tradicionalmente, ele materializa a autonomia da vontade e a força obrigatória do pacta sunt servanda. Contudo, a evolução do Direito Civil, especialmente após a Constituição de 1988, trouxe para o centro da interpretação contratual princípios como a função social do contrato (art. 421 do Código Civil) e a boa-fé objetiva (art. 422 do Código Civil).
Nos últimos anos, a promulgação da Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019) marcou um novo momento, reforçando a visão de que os contratantes devem ser tratados como paritários e limitando a intervenção do Estado nas relações privadas. Esse cenário fortaleceu a cláusula do pacta sunt servanda, mas também tornou a redação contratual mais complexa e estratégica para a garantia da segurança jurídica.
2. A Liberdade Econômica e o Reforço à Autonomia Privada
A Lei da Liberdade Econômica buscou simplificar o ambiente de negócios, reduzir burocracias e assegurar maior previsibilidade às relações jurídicas. Dois princípios se destacam para o Direito Contratual:
Reconhecimento da paridade dos contratantes: presumindo que, em regra, as partes possuem autonomia para decidir livremente sobre as cláusulas;
Princípio da intervenção mínima do Estado: restringindo a possibilidade de revisão judicial, salvo em hipóteses excepcionais, como abusividade manifesta ou violação de normas de ordem pública.
Esse novo paradigma reafirma a importância do contrato como regra de autorregulação das partes, deslocando para os contratantes e seus advogados a responsabilidade de prever cenários, riscos e mecanismos de solução de conflitos.
3. Pacta Sunt Servanda e Seus Limites Contemporâneos
O pacta sunt servanda, fundamento clássico da força vinculante dos contratos, ganhou maior robustez no contexto atual. O Judiciário, antes mais inclinado à intervenção em nome da equidade, tem limitado sua atuação.
O Superior Tribunal de Justiça tem reforçado que a revisão contratual deve ser exceção e que a liberdade das partes deve prevalecer. Em decisões recentes, o STJ reafirmou que a função social e a boa-fé não autorizam uma revisão genérica, mas apenas quando comprovado desequilíbrio efetivo e concreto.
Essa mudança exige que a redação contratual seja feita de forma técnica e estratégica, evitando brechas que possam resultar em interpretações divergentes.
4. Os Novos Desafios da Redação Contratual
Com a liberdade econômica, a complexidade contratual aumentou. Alguns pontos merecem destaque:
a) Alocação de Riscos
A clara distribuição de riscos entre as partes tornou-se essencial. É preciso prever hipóteses de inadimplemento, caso fortuito, força maior e mudanças regulatórias, delimitando responsabilidades para evitar litígios prolongados.
b) Cláusulas de Resolução de Disputas
Com a tendência de redução da intervenção judicial, cresce a importância de mecanismos privados de solução de conflitos. Cláusulas de mediação, arbitragem e eleição de foro devem ser redigidas com precisão para evitar discussões futuras sobre sua validade ou aplicabilidade.
c) Proteção de Dados e LGPD
A entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) acrescentou novas obrigações contratuais. Cláusulas sobre tratamento, compartilhamento e segurança de dados pessoais passaram a ser indispensáveis em contratos de prestação de serviços, tecnologia, saúde, educação e outros setores.
d) Compliance e Integridade
Os programas de compliance e integridade corporativa também influenciam os contratos modernos. Cláusulas que preveem responsabilidade em casos de práticas ilícitas, corrupção, fraude ou descumprimento de normativos internos têm sido exigência cada vez mais comum em negociações empresariais.
5. A Revisão e a Análise como Etapas Indispensáveis
Não basta apenas redigir: contratos devem ser revistos e analisados criticamente. A revisão garante coerência interna, conformidade com a legislação e equilíbrio das cláusulas. Já a análise preventiva permite identificar riscos regulatórios, fiscais e trabalhistas antes da assinatura.
Em tempos de liberdade contratual ampliada, essas etapas se tornam ainda mais relevantes, pois o Judiciário não mais revisará amplamente cláusulas consideradas “desfavoráveis”, impondo às partes a responsabilidade de prever cenários adversos.
6. O Contrato como Ativo Estratégico
No contexto da liberdade econômica, o contrato deve ser entendido como ativo estratégico da empresa. Mais do que formalidade, ele é um instrumento de governança jurídica, capaz de:
Assegurar previsibilidade e estabilidade;
Reduzir custos de litígios;
Proteger dados e informações sensíveis;
Reforçar a reputação empresarial diante de parceiros e investidores;
Demonstrar conformidade com a legislação e boas práticas de mercado.
Assim, a redação, revisão e análise de contratos deixam de ser meras tarefas burocráticas para se tornarem elementos centrais da gestão de riscos e da segurança jurídica.
7. Conclusão
A evolução do Direito Contratual brasileiro, marcada pela Lei da Liberdade Econômica e pela tendência de mínima intervenção do Estado, conferiu maior autonomia e responsabilidade às partes contratantes. Esse cenário torna a redação contratual mais complexa e relevante, especialmente diante de desafios contemporâneos como compliance, proteção de dados e mecanismos de resolução de disputas.
Em um ambiente de negócios cada vez mais dinâmico, o contrato bem elaborado representa a verdadeira tutela jurisdicional preventiva, antecipando conflitos e garantindo segurança jurídica.