A Atualidade da Teoria da Associação Diferencial de Sutherland no Contexto Corporativo e o Papel dos Programas de Compliance na Formação de uma Cultura Ética
Rodrigo F. Santos — Advogado Especialista em Direito Penal Econômico e Compliance
Desde sua formulação na década de 1940, a Teoria da Associação Diferencial, proposta por Edwin H. Sutherland, mantém impressionante atualidade, sobretudo quando analisada sob a perspectiva do ambiente corporativo contemporâneo. A teoria, precursora da chamada criminologia do colarinho branco, desafia a concepção tradicional de que o crime é fenômeno típico das classes economicamente desfavorecidas, ao sustentar que o comportamento criminoso é aprendido por meio da interação social — inclusive e especialmente nas esferas empresariais e administrativas.
A partir desse olhar, o ambiente corporativo se revela um terreno fértil para o aprendizado de condutas desviantes, uma vez que a cultura organizacional, as lideranças e os incentivos internos moldam os valores e comportamentos dos indivíduos que dela fazem parte. É nesse ponto que a Teoria da Associação Diferencial se aproxima da realidade empresarial atual com surpreendente precisão: o crime no contexto econômico e corporativo é, muitas vezes, fruto de racionalizações culturais internas que desvalorizam a ética em nome do resultado.
Cultura Organizacional e “Clientes Internos” x “Clientes Externos”
A gestão empresarial moderna tem compreendido, ainda que tardiamente, que a cultura organizacional exerce papel determinante sobre o comportamento ético de seus membros. Neste sentido, torna-se imprescindível refletir sobre a relação com os chamados “clientes internos” (colaboradores, gestores, conselheiros) e “clientes externos” (sociedade, fornecedores, consumidores, órgãos reguladores).
Empresas que negligenciam os valores éticos e adotam culturas centradas unicamente em metas, bônus e performance, sem um padrão ético claro e promovido ativamente, acabam por fomentar ambientes permissivos, onde desvios éticos e fraudes podem ser não apenas tolerados, mas aprendidos e reproduzidos.
Sutherland já alertava: a criminalidade empresarial não é fruto do acaso, mas da normalização de condutas ilegais ou imorais no seio da própria organização.
A Função Transformadora dos Programas de Compliance: além da conformidade
No contexto atual, os Programas de Compliance não devem se limitar à mera conformidade legal e regulatória. É insuficiente que uma empresa apenas “cumpra a lei” — é necessário que ela transforme a adesão ética em valor compartilhado e internalizado por todos os membros da organização.
Afinal, um compliance eficaz não é aquele que apenas impõe regras, mas sim aquele que transforma a cultura organizacional de forma profunda e sustentável. Isso envolve:
Diagnóstico realista dos riscos éticos e de integridade;
Promoção da transparência e responsabilização nas lideranças;
Educação contínua e realista sobre condutas éticas;
Proteção efetiva aos denunciantes e incentivo à fala;
Reconhecimento de que a integridade deve ser tratada como ativo estratégico, e não apenas como obrigação legal.
Uma Visão Crítica: A Ética Como Pilar, Não Como Adereço
A crítica que se impõe é que, em muitos casos, os programas de compliance se tornaram instrumentos de fachada, voltados à proteção da imagem institucional frente a órgãos reguladores e investidores. Ignora-se, assim, a dimensão transformadora que a cultura de integridade pode proporcionar quando sinceramente incorporada ao cotidiano empresarial.
É preciso superar essa superficialidade. O verdadeiro compromisso ético não se dá com a simples adoção de códigos ou treinamentos padronizados. Ele se concretiza quando a ética é vivenciada em todos os níveis, promovida pelas lideranças e reconhecida como condição essencial para a sustentabilidade empresarial.
Conclusão: Por uma Cultura Ética Autêntica e Permanente
A Teoria da Associação Diferencial, apesar de formulada há mais de 80 anos, oferece insumos preciosos à compreensão dos riscos éticos corporativos contemporâneos. Ela nos lembra que o comportamento organizacional é aprendido e, portanto, pode e deve ser moldado a partir de estruturas institucionais que valorizem a ética, a transparência e a integridade.
Dessa forma, os Programas de Compliance devem evoluir para além da legalidade formal e se tornar motores de transformação cultural, promovendo um ambiente onde a conduta ética não seja exceção, mas a regra. Afinal, uma empresa que valoriza a integridade como parte de sua identidade tende não apenas a reduzir riscos jurídicos, mas também a se consolidar como organização sólida, confiável e resiliente.