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Compliance Anticorrupção e Reflexos Criminais na Nova Lei de Licitações

Introdução

O avanço da legislação brasileira em matéria de licitações e contratos públicos, especialmente com a entrada em vigor da Lei nº 14.133/2021, representa um marco no fortalecimento da governança e da integridade empresarial. A obrigatoriedade de implementação de programas de compliance anticorrupção em determinadas situações traz reflexos diretos não apenas no campo administrativo, mas também no âmbito criminal, na medida em que reforça mecanismos de prevenção, responsabilização e reabilitação de empresas e gestores envolvidos em práticas ilícitas.

Programas de Integridade como Exigência Legal

A Lei nº 14.133/2021 introduziu a obrigatoriedade de implantação de programas de integridade em contratos de grande vulto (valores superiores a R$ 200 milhões), a serem implementados pelo licitante vencedor no prazo de seis meses após a assinatura do contrato. Essa exigência, prevista no art. 25, §4º, sinaliza a preocupação estatal com a compliance preventiva, buscando assegurar a probidade administrativa e mitigar riscos de corrupção em contratações públicas.

Além disso, a lei estabelece como critério de desempate em licitações a existência de programas de integridade (art. 60, IV), o que reforça o papel estratégico da governança corporativa e da ética empresarial.

Compliance e Responsabilização

Outro ponto central é a vinculação da implantação ou aperfeiçoamento de programas de integridade como condição para a reabilitação de empresas sancionadas (art. 163, parágrafo único). Em casos de impedimento de licitar ou declaração de inidoneidade, a empresa somente poderá retornar ao mercado se, além de reparar o dano e pagar multas, comprovar efetiva adoção de mecanismos de integridade.

Esse aspecto tem reflexos diretos na responsabilidade penal da pessoa jurídica, prevista no art. 225, §3º, da Constituição Federal e regulamentada pela Lei nº 9.605/1998 (crimes ambientais), além da Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção). A ausência de compliance pode ser interpretada como negligência organizacional, ampliando a imputação penal e civil dos dirigentes.

Integração com a Agenda ESG

A legislação também acompanha as tendências globais de Environmental, Social and Governance (ESG), integrando ao compliance temas como direitos humanos, equidade de gênero, combate ao assédio e responsabilidade ambiental. A adoção de práticas ESG fortalece a percepção de integridade, reduz riscos reputacionais e pode influenciar diretamente na concessão de benefícios em negociações e acordos de leniência.

Iniciativas de Incentivo à Integridade

O Programa Pró-Ética, promovido pela CGU, e o Pacto Brasil pela Integridade Empresarial representam iniciativas voluntárias de reconhecimento e incentivo a empresas comprometidas com a ética e a transparência. Tais mecanismos funcionam como estímulo de mercado, criando diferenciação competitiva para organizações que adotam uma cultura sólida de compliance.

Reflexos no Âmbito Criminal

Do ponto de vista penal, a disseminação de programas de integridade impacta diretamente:

  • Prevenção: redução do risco de práticas delitivas dentro das corporações;

  • Responsabilidade penal empresarial: maior rigor na apuração de omissões estruturais;

  • Colaboração premiada e leniência: programas de compliance podem ser utilizados como elementos de atenuação de penas ou exclusão de culpabilidade;

  • Gestão de risco criminal: a ausência de controles internos robustos pode caracterizar dolo eventual ou culpa grave dos administradores.

Conclusão

A Lei nº 14.133/2021 consolida uma mudança de paradigma: o compliance anticorrupção deixa de ser mera recomendação de boas práticas para se tornar exigência legal em contratações públicas de grande vulto e condição para reabilitação de empresas sancionadas.

No âmbito criminal, essa evolução reflete a busca por responsabilização efetiva, reforçando a necessidade de que empresas adotem não apenas a conformidade legal, mas uma verdadeira cultura organizacional de integridade, que dialogue com a agenda ESG e com os mecanismos modernos de governança.

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